Curadoria Educativa - Trilhas (ou Cisco no olho, tampão no ouvido) de Alice Vinagre


 2016 - O Bardo do vir a ser,  acrílica sobre tela, 100x100cm

Olhar pela fechadura também é um jeito de ver o (um) mundo.

Como podemos conhecer o mundo a partir dos fragmentos de outrem? Aliás, não é essa mesma a maneira, talvez a única, de conhecermos o mundo?

A exposição de Alice Vinagre para a Galeria Janete Costa, localizada em Boa Viagem na cidade de Recife, trouxe um mundo desenhado e partilhado nas entranhas da artista. O apelo parece simples, mas adentrar uma trilha que traz um universo psíquico particular, ainda que tão familiar aos atentos, foi uma vocação da exposição. 

Partindo dessa premissa, não seria possível construir uma Curadoria Educativa que não fosse capaz de suscitar nos educadores seus próprios íntimos, ínfimos, universos compartilháveis. Todos tem algo a compartilhar. 

Embora a artista saiba que seu trabalho "já está no mundo", pronto para ser visto por quem desejar, ainda assim, talvez olhar pela fechadura nos permita entender que "o trabalho é um mundo". Dessa forma, convidamos os educadores a desenvolverem suas metodologias de mediação a partir de si e de suas percepções e aptidões ao serem tocados por esse universo de Alice. Construímos juntes as possibilidades de mediação e programação, contando com objetos disparadores, visitas temáticas, oficinas sensíveis, elementos da natureza, mandalas e espelhos, sopros de conversas sobre o tempo. O que foi possível prever foi previsto, mas a grande possibilidade que se abria era, para além do planejamento, a possibilidade de trabalhar com o imprevisto, com o imediato momento do encontro com o outro. O que acontece no instante em que duas ou mais pessoas se encontram para falar e viver em um mundo construído pela artista.

Sendo assim, tanto os educadores quanto nós, que guiávamos um processo de criação metodológica, fomos sendo instigadas ao relato do presente encontro em meio a tantos previstos e imprevistos. A pandemia cruzou nosso caminho por diversas vezes, interrompendo processos e inaugurando tantos outros, de modo que ela também fez parte da construção desse universo artístico, que atravessou Alice em suas obras, e nos atravessou ao promovermos seu encontro com os visitantes. Uma exposição na pandemia, que não deixa de ser também sobre ela.

De(ê) tempo ao Tempo


A formação educativa para exposição teve duração de 8 horas, envolvendo Alice Vinagre, os educadores, eu, Joana Darc Lima e o diretor da galeria, Carlos. Os encontros foram híbridos, sendo 2 deles presenciais e 2 remotos. Foram divididos em tempos temáticos: Tempo de Conhecer; Tempo de Aproximar; Tempo de Criar e Tempo de Refletir. 

Durante o Tempo de Conhecer pudemos conversar com os educadores sobre seus anseios na arte-educação, sobre suas expectativas em relação a exposição, sobre suas carreiras e projetos pessoais, e sobre nós, enquanto proponentes dessa reflexão. Nesse mesmo encontro, ouvimos Alice Vinagre, sobre suas obras, seus percursos na arte, suas história íntimas, sua vivência na pandemia, seus projetos, medos, reflexões pessoais sobre o mundo. O encontro foi frutífero vivo, leve, ouvimos e falamos, nos conectamos em prol do projeto que desabrochava na galeria, mas já tinha sido plantado outrora. Aproveitamos para mostrar nosso "plano" de trabalho em construção, como numa assembleia, propusemos, revimos, reconstruímos caminhos possíveis para esse projeto educativo.

O Tempo de Aproximar aconteceu de forma remota, e foi um momento de afinar as expectat
ivas, mostrar caminhos, compartilhar impressões e começar a esboçar quais os projetos gostaríamos de executar durante a exposição. Foi feito um laboratório de metodologias, onde eu apresentei algumas vertentes educativas, alguns trabalhos de mediação autorais que desenvolvi ao longo de minha trajetória e pedi para que eles fizessem o mesmo sobre suas experiências. Conversamos sobre mediação, arte-educação, sobre mundo da Arte, sobre trabalho, sobre carreira, sobre Alice, sobre a vida cotidiana que atravessa a todos. Saímos de lá com a proposta de que cada um selecionasse uma obra da exposição para mediar em um encontro presencial, a partir de suas aptidões como educadores.

No Tempo de Criar, nos reunimos na galeria e iniciamos um processo coletivo de levantamento de mediações possíveis, assuntos, abordagens, oficinas, objetos disparadores e etc. Nesse encontro todos fomos convidados a mediação e ao compartilhamento de experiências com o mundo de Alice. Uma programação esboçada, uma pré-lista de materiais e muitas ideias na cabeça. O Tempo de Criar atravessou toda a exposição, se remodelando a medida que os previstos e imprevistos aconteciam. Atividades foram executadas sem planejamento, outras foram planejadas e não executadas. Nesse tempo, tudo podia ser reescrito, pois a criação era permanente e contínua. Foram registradas as propostas e as execuções para composição desse dossiê. Durante esse tempo, também nos encontramos remotamente para alinhar com a produção a programação e os materiais que deveriam ser adquiridos para tal.

Tempo de refletir se deu nesse momento em que estamos, escrevendo nossos relatos e recolhendo os frutos das conversas, mediações e encontros. Fizemos uma reunião remota para trocar as experiências vividas, conversamos sobre o que deu certo e o que não foi como planejado. Falamos sobre o fazer, sobre o que acontece espontaneamente, sobre os fluxos, as crianças que permaneceram, os visitantes que perguntaram, as questões que ficaram no ar e as novas perguntas que surgiram no findar do processo.  Falamos sobre a pandemia e como ela esteve onipresente durante a jornada expositiva, sobre as baixas que tivemos, sobre os adoecimentos e as recuperações. Sobre o ar condicionado que permanece inapto, causando incomodo e suor em todos no verão recifense. Sobre o labor que nos move até nossos afazeres mesmo diante dos percalços da vida. A reflexão é sempre um tempo estendido que não tem data certa pra começar e terminar. O trabalho de mediação é o exercício da reflexão "conjunta", se assim podemos dizer. Assim então, encerramos nosso ciclo - no último dia da exposição, houve uma conversa presencial com Alice Vinagre na galeria, onde ela pode conversar com seu público e responder as perguntas postadas na caixinha disponibilizada pelos educadores, que foi dada para ela como presente-lembrança de um projeto cheio de significados.  


Educadores (as): Alexandre; Franci; Igor; Juliana; Romulo; Ruana; Alanys.

Diretor da Galeria: Carlos














Comentários