Observações, por meio dos contextos, para retratos.
Essa mediação, em especial, foi uma escolha consciente. Há urgência em nos comovermos.
Escolhi essa obra pelo contexto. Então, não haveria possibilidade de mediá-la por outra entrada. O contexto para a escolha foi a inevitável situação pandêmica que estamos vivendo. Uma experiência brutal de alienação da dor e do sofrimento. Os números de mortos disparam, e a essa altura não nos dizem mais nada.
O contexto nasce aí, mas se desdobra para uma situação pré-pandêmica - a dos jovens negros, afro-indígenas, periféricos que morrem, aos montes pelo país, sujeitos e alvos de uma violência igualmente brutal à do vírus.
Essa situação me remontou à Walter Benjamin no texto "O narrador". O homem quando volta da guerra não consegue narrar sua experiência, porque ela é brutal, existe uma incapacidade de tornar essa experiência comunicável.
E como pensar, na cara que tem, os que morrem? Olhar para esse rosto, perguntar suas preferências, saber o que lhe alegra e o que lhe faz chorar? Como tornar esse sofrimento algo universal, a partir de cada sujeito?
Não houve ressonância a possibilidade de produzir uma meta(o)dologia que chegasse nem perto desse instante. Mas o esforço foi chegar, por meio da obra de Éder Oliveira, perto das perguntas que me vieram à tona, quando encarava os olhos do retratado. Todos nós conhecemos os que morrem (?).
Partindo daí, fui buscar a potência dos retratos. Nada mais significativo do que o verbete do wikipédia. Com uma objetividade monstruosa, o verbete já relaciona toda a trama pretendida - quem (não) merece o retrato?
Essa pergunta surgiu imediatamente após a leitura do verbete, porque eu já estava envolvida nesse contexto. O retrato como representação (ou alegoria) de poder aristocrata, e depois, burguês.
Nesse sentido a questão da pintura também aparece como um elemento muito forte na obra do artista. E de novo, recorro a Benjamin, mas desta vez para tomar emprestado o conceito de aura, presente no texto "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica". O conceito permite que enxerguemos a pintura dentro de um limite contemporâneo da "aura" descrita pelo autor. A pintura persiste.
E como essa mediação é cheia de contextos, fui em busca de críticas curatoriais sobre a obra de Éder Oliveira. Uma delas se coloca em diálogo direto com essas reflexões:
"A pintura não vai mudar a sociedade, mas continuará pretensiosa. Uma observadora por vezes silenciosa, mas dificilmente indiferente a tudo que a cerca. Sua essência quase ritualística lhe confere algo de sagrado, que sublima e a protege como uma área vip, no camarote da produção de imagens da pós-modernidade. O tempo de maturação de um artista não acompanha a velocidade de produção de conteúdos da contemporaneidade. É um outro tempo, paralelo à vida." (Bruno Miguel, curador da Exposição "A luz que vela o corpo é a mesma que revela a tela", Caixa Cultural - RJ, 14/01/2017 - 13/03/2017. Texto que abre o catálogo da exposição. Link disponível em referências)
O artista traz dois elementos bastante significativos para uma observação possível: o retrato e a pintura. Um retrato feito com tinta óleo, sob uma tela de tecido. Poderia ser um recurso do século XVIII, mas é de hoje. Responde à um hoje. Por quê esse sujeito merece esse retrato?
Foi necessário colocar o artista como sujeito nessa janela. Quem produziu o retrato, porquê o produziu.
Após trazer o artista e suas "sacolas", logo veio o retratado. Com ele todo o nó se desfaz. Fui em busca desses dados, pois queria entender o tamanho abstrato do problema, da dor. Coloquei "dados da violência no brasil" no google, fui imersa no universo, quase indolor, das estatísticas no site do IPEA. Mergulhei. Catei alguns, e não encontrei dados específicos sobre o sujeito retratado. Mais um elemento.
O retrato causou em mim um antídoto ao universo quase indolor das estatísticas. Era momento de parar.
Assim, essa meta(o)dologia pretendeu olhar para o retrato, a partir dos contextos, e fazer emergir o sujeito universal que particulariza nossa emoção, e o inverso que também é possível.
Restou, como mediação, três processos. Dois deles com suas notas de contexto disponíveis, e o terceiro como um olhar já (cons)ciente dos contextos.
Para ver a mediação da obra de Éder Oliveira clique aqui
Reflexões primárias
O sofrimento tem cara
Experiência da comoção
Mediação pelo contexto
Quais “sacolas” o artista carrega em sua obra?
Como trazer essas “sacolas” para mediação, sem interferir no processo do olhar?
Galeria: https://periscopio.art.br/project/eder-oliveira/
Catálogo citado: https://issuu.com/andersoneleoterio/docs/catalogo_a_luz_que_vela_o_corpo_e_a
Dados sobre violência: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Relatorio-violencia-contra-povos-indigenas_2017-Cimi.pdf
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/mapa-da-violencia-contra-os-povos-indigenas/relatoriodados2015.pdf
Quais “sacolas” o artista carrega em sua obra?
Como trazer essas “sacolas” para mediação, sem interferir no processo do olhar?
Referências
Site do artista: http://www.ederoliveira.net/sobreGaleria: https://periscopio.art.br/project/eder-oliveira/
Catálogo citado: https://issuu.com/andersoneleoterio/docs/catalogo_a_luz_que_vela_o_corpo_e_a
Dados sobre violência: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Relatorio-violencia-contra-povos-indigenas_2017-Cimi.pdf
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/mapa-da-violencia-contra-os-povos-indigenas/relatoriodados2015.pdf
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/06/Atlas_2019_infografico_FINAL.pdf
https://exame.com/mundo/as-cidades-mais-violentas-do-mundo-em-2017/
https://exame.com/mundo/as-cidades-mais-violentas-do-mundo-em-2017/
Verbete de Retrato: https://pt.wikipedia.org/wiki/Retrato.
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-221
______________. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: Editora Zouk, 2012.
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